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Valores intermédios de funções contínuas
É costume dizer-se que as funções contínuas são aquelas cujos gráficos se conseguem traçar sem tirar o lápis do papel. Ou aquelas que não passam de um valor a outro sem passar por todos os valores intermédios (por outras palavras, aquelas cujos contradomínios são intervalos). Embora isto dê uma ideia visual sobre o que deve ser a continuidade de uma função, não se trata de afirmações estritamente verdadeiras em face da definição oficial de função contínua, que demos na página anterior, como veremos já de seguida.
Exercícios
- Dá um exemplo (pode ser gráfico) de uma função contínua1 onde seja necessário levantar o lápis do papel para traçar o seu gráfico.
- Dá um exemplo (pode ser gráfico) de uma função descontínua cujo contradomínio seja um intervalo.
Estes exercícios devem servir de alerta para a necessidade de se produzirem provas a partir das definições adotadas (ou de outros resultados já provados) antes que se possa garantidamente afirmar a veracidade de uma afirmação, por mais apelativa geometricamente que ela possa parecer. Felizmente os matemáticos já provaram várias delas, por isso só precisamos de as ler com atenção e de termos o cuidado de garantir que as suas hipóteses se verificam antes de usarmos as suas conclusões (também ditas teses).
Listamos aqui algumas, relativas a funções contínuas, entremeadas com alguns comentários e exercícios:
Teorema dos valores intermédios (ou de Bolzano-Cauchy)
Seja $f : [a,b] \to \mathbb R$ contínua. Então $f$ não passa de um valor a outro sem passar por todos os valores intermédios.
Por outras palavras, a conclusão pode ser expressa dizendo-se que o contradomínio de $f$ é um intervalo. E a conclusão vale para qualquer intervalo que se considere no domínio da função (e não somente para intervalos limitados e fechados).
Assim, no caso de funções contínuas cujo domínio é um intervalo é, de facto, possível pelo menos esboçar o seu gráfico sem tirar o lápis do papel.4
Uma consequência útil do teorema anterior é o seguinte resultado:
Seja $f:[a,b] \to \mathbb R$ uma função contínua tal que $f(a) < 0 < f(b)$. Então $f$ possui um zero em $]a,b[$.
Aliás, uma das maneiras de provar o Teorema dos valores intermédios é seguir a ordem contrária, provando primeiro o resultado que acabou de se enunciar e provando depois, com base nele, o Teorema dos valores intermédios. O primeiro exercício que se propõe a seguir pretende que reconstruas essencialmente esta última prova.
Exercícios
- Assumindo somente o último resultado acima, mostra que se $f:[a,b] \to \mathbb R$ for uma função contínua tal que $f(a) < k < f(b)$, para algum $k \in \mathbb R$, então existe um $c \in ]a,b[$ para o qual $f(c) = k$.5
- Aplica um dos resultados anteriores à função $f : [1,2] \to \mathbb R$ definida por $f(x)=x^2$ e conclui que existe um número real em $]1,2[$ cujo quadrado é 2.6
- Garante que a equação $x^3+4x^2+2x+5=0$ tem pelo menos uma solução em $\mathbb{R}$.
Inversas de funções contínuas (injetivas)
Exercício
- Dá um exemplo (pode ser gráfico) de uma função contínua injetiva cuja inversa não seja contínua.
Em contrapartida, é possível provar o seguinte resultado:
Teorema da inversão
Seja $f : [a,b] \to \mathbb R$ contínua e injetiva. Então $f$ e $f^{-1}$ são ambas estritamente crescentes ou ambas estritamente decrescentes, a imagem $f([a,b]) =: J$ é um intervalo limitado e fechado e $f^{-1} : J \to \mathbb R$ é contínua.
Uma das maneiras de provar a continuidade das funções potências de expoente fraccionário da forma $\frac{1}{m}$, $m \in \mathbb N \setminus \{1\}$,8 para valores positivos da variável, é através de uma aplicação simples deste resultado9.
Uma outra aplicação simples permite mostrar que as conclusões sobre a monotonia e a continuidade da inversa continuam válidas mesmo se o intervalo do domínio de $f$ não for limitado e fechado.
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