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Partição de um intervalo
Uma partição $P_n$ de um intervalo $[a,b]$ (com $a < b$) é um conjunto $\{ x_0, x_1, \ldots, x_{n-1}, x_n \}$, para algum $n \in \mathbb N$, onde $a=x_0 < x_1 < \ldots < x_{n-1} < x_n=b$.
A sua amplitude ou norma define-se como $\Delta(P_n) := \max_{i=1,\ldots,n} |x_i-x_{i-1}|$.
Exemplos I
- $P_1 = \{ a, b \}$, qualquer que seja o intervalo $[a,b]$ (com $a < b$).
- $\{ 0, \frac{1}{8}, \frac{1}{4}, \frac{1}{2}, \frac{3}{4}, \frac{5}{6}, 1 \}$ e $\{ 0, \frac{1}{8}, \frac{1}{4}, \frac{1}{3}, \frac{1}{2}, \frac{3}{4}, 1 \}$ são ambas partições de $[0,1]$ com $n=6$ e amplitude igual a $\frac{1}{4}$. São, por isso, dois exemplos de partições que designamos por $P_6$.
Sequência compatível com partição
Uma sequência $C_n := (\xi_1, \ldots, \xi_n)$ diz-se compatível com a partição $P_n$ se, para cada $i=1, \ldots,n$, $\; \xi_i \in [x_{i-1},x_i]$.1
Exemplo II
A sequência $(\frac{1}{8}, \frac{1}{8}, \frac{1}{4}, \frac{2}{3}, \frac{5}{6}, 1)$ é compatível com a primeira partição $P_6$ do segundo exemplo acima, mas $(\frac{1}{8}, \frac{1}{8}, \frac{1}{4}, \frac{3}{8}, \frac{5}{6}, 1)$ não é.
Somas de Riemann
Seja $f : [a,b] \to \mathbb R$, com $a<b$. A soma de Riemann de $f$ associada à partição $P_n$ de $[a,b]$ e à sequência $C_n$ compatível com $P_n$ é
(1)Em baixo ilustra-se o significado geométrico de uma soma de Riemann para algumas funções concretas. Nessa ilustração, todas as partições são consideradas com os elementos consecutivos igualmente espaçados e para cada partição é considerada a sequência compatível formada pelo extremos esquerdos de cada subintervalo. Para cada $i=1, \ldots, n$ o produto $f(\xi_i) (x_i-x_{i-1})$ que aparece na soma de Riemann é igual ou à área de um retângulo de largura $x_i-x_{i-1}$ e altura $|f(\xi_i)|$ ou ao simétrico dessa área, de modo que a soma de Riemann dá, no caso de funções não negativas, uma aproximação para a área da superfície entre o gráfico da função e o eixo das abcissas. Observa que, nos exemplos apresentados, a aproximação parece melhorar à medida que se aumenta o número de elementos na partição.
Função integrável (à Riemann)
Seja $f : [a,b] \to \mathbb R$, com $a < b$. Seja $I \in \mathbb R$. Diz-se que o limite das somas de Riemann $S(f,P,C)$ quando $\Delta(P)$ tende para $0$ é $I$, e escreve-se
(2)se e só se $S(f,P_n,C_n) {\mathop {\longrightarrow}_{n \rightarrow \infty}\,} I$ para qualquer sucessão $((P_n,C_n))_{n \in \mathbb N}$ verificando $\Delta(P_n) {\mathop {\longrightarrow}_{n \rightarrow \infty}\,} 0$, onde, para cada $n \in \mathbb N$, $P_n$ é uma partição de $[a,b]$ e $C_n$ é uma sequência compatível com $P_n$.
Diz-se então também que $f$ é integrável (à Riemann) e que $I$ é o2 integral (de Riemann) de $f$, usando-se a notação
(3)para o representar. Nesta notação, $a$ e $b$ levam as designações de limites de integração e $f$ a designação de função integranda.
Diz-se que $f : D \subset \mathbb R \to \mathbb R$ é integrável em $[a,b] \subset D$ se e só se $f|_{[a,b]}$ for integrável. Em tal caso o integral de $f|_{[a,b]}$ designa-se também por integral de $f$ em $[a,b]$ e denota-se simplesmente por $\int_a^b f(x) \, dx$ (em vez de $\int_a^b f|_{[a,b]}\, dx$).
No caso de $a=b$ considera-se tacitamente que $f$ é integrável no intervalo degenerado $[a,a] \subset D$ e que o seu integral nesse intervalo é zero.
Exercícios I
- Verifica que uma função constantemente igual a um número real fixo $\, c \,$ é integrável em qualquer subintervalo $[a,b]$ do seu domínio e que o seu integral em $[a,b]$ é igual a $c\, (b-a)$.
- Verifica que a área da superfície compreendida entre a porção do gráfico da função anterior no intervalo $[a,b]$ e o eixo das abcissas3 é dada
- pelo integral da função em $[a,b]$ se $c \geq 0$;
- pelo simétrico do integral da função em $[a,b]$ se $c < 0$.
- Considera agora $f : [a,b] \to \mathbb R$, com $a < b$, definida por $f(x)=c \in \mathbb R$, $\forall x \in ]a,b[$, podendo $f(a)$ e $f(b)$ assumir quaisquer dois valores reais dados. Verifica que $f$ é integrável em $[a,b]$ e que o seu integral em $[a,b]$ é novamente igual a $c\, (b-a)$.
- Seja $f$ a função tal que $f(x) = 0$ se $x \in \mathbb Q$ e $f(x)=1$ se $x \in \mathbb R \setminus \mathbb Q$. Verifica que $f$ não é integrável em nenhum intervalo $[a,b]$ tal que $a<b$.
Como se vê pelo exercício 2 acima, e era já indiciado a propósito da interpretação geométrica das somas de Riemann feita acima, apesar da relação existente entre integral e área, um integral pode ser negativo, enquanto, como sabemos, uma área não. Atendendo ao conteúdo geométrico da definição de integral, é habitual considerar que, no caso de funções $f$ integráveis não negativas em $[a,b]$, o integral de $f$ em $[a,b]$ nos dá a área da superfície delimitada pelo gráfico de $f$, o eixo das abcissas e as retas de equações $x=a$ e $x=b$.4
Mais geralmente,
considera-se que a área da superfície delimitada pelos gráficos de duas funções $f$ e $g$ integráveis em $[a,b]$ e as retas de equações $x=a$ e $x=b$ é dada por
$\displaystyle \int_a^b |f(x)-g(x)|\, dx$.
Em particular, a área da superfície delimitada pelo gráfico de uma função $f$ integrável em $[a,b]$, o eixo das abcissas e as retas de equações $x=a$ e $x=b$ é dada por $\int_a^b |f(x)|\, dx$.
Como se viu na resolução dos exercícios anteriores, lidar diretamente com a definição de integrável à Riemann (e calcular por essa via o respetivo integral) em cada caso concreto pode ser bastante complicado. Existem outras maneiras equivalentes de expressar a integrabilidade de uma função (ver aqui, caso tenhas curiosidade), igualmente complicadas de usar. A vantagem de ter esses vários pontos de vista é que algumas propriedades são mais simples de provar com uns do que com outros.
Felizmente o assunto encontra-se bem estudado pelos matemáticos, de modo que podemos usufruir de vários teoremas (mais ou menos complicados de provar) que facilitarão a nossa vida na prática:
Se $f$ é integrável em $[a,b]$, então é limitada nesse intervalo.
Nota que a implicação inversa é falsa: no exercício 4 acima vimos um exemplo de função limitada que não é integrável.
Se $f$ é monótona em $[a,b]$, então é integrável nesse intervalo.
1.º critério de integrabilidade
Se $f : [a,b] \to \mathbb R$ é integrável e $g : [a,b] \to \mathbb R$ apenas difere de $f$ num número finito de pontos, então $g$ é integrável e
$\qquad \displaystyle \int_a^b g(x) \, dx = \int_a^b f(x) \, dx.$
Com este critério, o exercício 3 acima ter-se-ia resolvido muito facilmente. Na verdade, o critério acima pode provar-se (com a ajuda das duas primeiras propriedades enunciadas na parte que se segue) elaborando no tipo de ideias que se usaram para resolver anteriormente o referido exercício.
Se $f$ é contínua em $[a,b]$, então é integrável nesse intervalo.
Trata-se de um dos resultados mais importantes da análise matemática, por isso para o aluno interessado apresentamos uma prova aqui (embora essa prova remeta para uma das caracterizações alternativas de integrabilidade e não tenhamos efetivamente provado essa caracterização; continua, no entanto, a ser útil no sentido de indicar um caminho para a prova referenciando resultados anteriores que são úteis neste contexto, mesmo que esses resultados anteriores também não tenham sido completamente tratados).
2.º critério de integrabilidade
Se $f : [a,b] \to \mathbb R$ é limitada e tem somente um número finito de descontinuidades, então é integrável e o valor do integral é independente dos valores da função nos pontos de descontinuidade.
Exercícios II
- Estuda as seguintes funções quanto à integrabilidade nos respetivos domínios:
- $f(x) = \begin{cases} \frac{\sin x}x,&x\in [-1,2]\setminus \{0\} \\ 1,&x=0 \end{cases}$.
- $g(x) =\begin{cases} 1,&0\leq x<1 \\ 3,&1\leq x\leq 3 \end{cases}$.
- $h(x) =\begin{cases} \ln x,&0<x\leq 1 \\ 0,&x=0 \end{cases}$.
- $i(x) =\begin{cases} \tan x,&x\in[0,\frac{\pi}{2}[\\ 2,&x=\frac{\pi}{2}\\ \sin x + \cos(2x),&x\in]\frac{\pi}{2},\pi] \end{cases}$.
- $j(x) =\begin{cases} e^x,&x\in[1,5] \setminus \mathbb{Z} \\ x^3+\ln x,&x\in[1,5]\cap\mathbb{Z} \end{cases}$.
- Seja $g(x)=\begin{cases}x,&x\neq1\\ 2,&x=1\end{cases}$. Mostra que $g$ é integrável em $[-1,2]$ e calcula $\int_{-1}^2 g(x) \, dx$ com base na interpretação geométrica do integral.
- Dá um exemplo (pode ser gráfico) de uma função $f$ que nunca assuma o valor zero num dado intervalo $[a,b]$, onde $a<b$, mas seja tal que $\int_a^b f(x) \, dx = 0$.
- Dá um exemplo (pode ser gráfico) de uma função $f$ e de intervalos $[a,b]$ e $[c,d] \subset [a,b]$ em que $\int_c^d f(x) \, dx >\int_a^b f(x) \, dx$.
- Dá um exemplo (pode ser gráfico) de uma função com um número finito de descontinuidades num intervalo limitado e fechado e que não seja integrável aí.
- Dá um exemplo de uma função não integrável cujo módulo seja integrável.
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Comentários:
Olá, professor,
Não estou a entender como chegou à resposta da 1.5). Será que me podia explicar o raciocínio completo?
Obrigada.
Olá,
A solução indica que a resposta resulta da aplicação do 2.º critério de integrabilidade. Se o leres verás que exige duas coisas da função em causa:
Quanto à 1.ª exigência, como as funções usadas nos ramos que definem $j$ são limitadas no intervalo $[1,5]$, também são limitadas nas restrições desse intervalo consideradas em cada ramo.
Quanto à 2.ª exigência, repara que em $]1,2[ \cup ]2,3[ \cup ]3,4[ \cup ]4,5[$ se tem $j(x)=e^x$, que sabemos ser uma função contínua. Logo só sobram cinco pontos em $[1,5]$ onde a função $j$ poderá não ser contínua, logo o seu n.º de descontinuidades em $[1,5]$ é finito.
Podemos então aplicar o 2.º critério de integrabilidade e concluir que a função $j$ é integrável.
AC