« página anterior: 2.2 Integrais de Riemann - parte 5
Integrais impróprios de 1.ª espécie
- Seja $f : [a,\infty[ \; \to \mathbb R$ integrável em qualquer intervalo $[a,\beta]$, com $\beta > a$. Diz-se que o integral impróprio
existe ou converge se existe e é finito o $\lim_{\beta \to \infty} \int_a^\beta f(x)\, dx$. Caso contrário diz-se que $\int_a^\infty f(x) \, dx$ não existe ou que diverge. No caso de convergência atribui-se a $\int_a^\infty f(x) \, dx$ o valor daquele limite.
Exemplo I
(2)Naturalmente, podemos interpretar o valor do integral impróprio no exemplo acima como a área da região infinita delimitada pelo gráfico de $\frac{1}{x^2}$, o eixo das abcissas e a reta $x=1$.
- Analogamente ao que se fez em cima, no caso de $f :\; ]-\infty, b] \to \mathbb R$ integrável em qualquer intervalo $[\alpha,b]$, com $\alpha < b$, diz-se que o integral impróprio
existe ou converge se existe e é finito o $\lim_{\alpha \to -\infty} \int_{\alpha}^b f(x)\, dx$, etc..
- No caso de $f : \mathbb R \to \mathbb R$ integrável em qualquer intervalo $[\alpha,\beta]$, com $\alpha < \beta$, diz-se que o integral impróprio
existe ou converge se existe $c \in \mathbb R$ tal que tanto $\int_{-\infty}^c f(x) \, dx$ como $\int_{c}^\infty f(x) \, dx$ são convergentes. Caso contrário diz-se que $\int_{-\infty}^\infty f(x) \, dx$ não existe ou que diverge. No caso de convergência escreve-se também
(5)É fácil ver, usando a aditividade do integral de Riemann, que se existe um $c \in \mathbb R$ com a propriedade acima, então qualquer outro número real $c$ tem a mesma propriedade. E que, qualquer que seja o $c \in \mathbb R$ que se use, a soma no membro direito de (5) dá sempre o mesmo valor, de modo que o valor de $\int_{-\infty}^\infty f(x) \, dx$ fica realmente bem definido por (5).
Como consequência desta observação tem-se também que
se para algum $c \in \mathbb R$ algum dos integrais impróprios $\int_{-\infty}^c f(x) \, dx$ ou $\int_{c}^\infty f(x) \, dx$ diverge, então $\int_{-\infty}^\infty f(x) \, dx$ diverge também.
Exemplos II
- $\displaystyle \int_{-\infty}^\infty \frac{1}{1+x^2} \, dx = \int_{-\infty}^0 \frac{1}{1+x^2} \, dx + \int_{0}^\infty \frac{1}{1+x^2} \, dx = \lim_{\alpha \to -\infty} \int_{\alpha}^0 \frac{1}{1+x^2} \, dx + \lim_{\beta \to \infty} \int_{0}^\beta \frac{1}{1+x^2} \, dx$
$\qquad \qquad \qquad \quad \displaystyle = \lim_{\alpha \to -\infty} [\arctan x]_\alpha^0 + \lim_{\beta \to \infty} [\arctan x]_0^\beta = 0 - \Big(-\frac{\pi}{2}\Big) + \frac{\pi}{2} - 0 = \pi.$ - $\displaystyle \int_{-\infty}^\infty x \, dx\,$ diverge, pois
$\qquad \displaystyle \int_{0}^\infty x \, dx = \lim_{\beta \to \infty} \int_{0}^\beta x \, dx = \lim_{\beta \to \infty} \Big[ \frac{x^2}{2} \Big]_0^\beta = \infty.$
Atenção:
Observa que $\, \lim_{\beta \to \infty} \int_{-\beta}^\beta x\, dx = \lim_{\beta \to \infty} \big[ \frac{x^2}{2} \big]_{-\beta}^\beta = \frac{\beta^2}{2} - \frac{(-\beta)^2}{2} = 0$, de modo que, comparando com o segundo exemplo acima, vemos que este tipo de cálculo não permite decidir sobre a natureza (i.e., convergência ou divergência) de $\int_{-\infty}^\infty x \, dx$. Ao $\, \lim_{\beta \to \infty} \int_{-\beta}^\beta x\, dx\,$ chama-se, existindo e sendo finito, valor principal de Cauchy de $\int_{-\infty}^\infty x \, dx$. Vimos então que, embora o seu valor principal de Cauchy seja $0$, o integral impróprio $\int_{-\infty}^\infty x \, dx$ diverge.
Integrais impróprios de 2.ª espécie
- Seja $f : [a,b[ \; \to \mathbb R$ integrável em qualquer intervalo $[a,\beta]$, com $a < \beta < b \in \mathbb R$, e tal que $f$ se torna ilimitada junto a $b$. Diz-se que o integral impróprio
existe ou converge se existe e é finito o $\lim_{\beta \to b-} \int_a^\beta f(x)\, dx$. Caso contrário diz-se que $\int_a^b f(x) \, dx$ não existe ou que diverge. No caso de convergência atribui-se a $\int_a^b f(x) \, dx$ o valor daquele limite.
Exemplo III
(7)Naturalmente, podemos interpretar o valor do integral impróprio no exemplo acima como a área da região infinita delimitada pelo gráfico de $\frac{1}{\sqrt{1-x}}$, o eixo das abcissas e as retas $x=0$ e $x=1$.
Nota: Como se vê, a notação usada em (6) coincide com a de integral de Riemann, embora aqui se trate de outro tipo de integral. Trata-se, na verdade, de uma extensão da noção de integral de Riemann, pois, devido à continuidade do integral indefinido, no caso de se ter $f : [a,b] \to \mathbb R$ integrável (à Riemann) também se tem que $\int_a^b f(x)\, dx = \lim_{\beta \to b-} \int_a^\beta f(x)\, dx$.
- Analogamente ao que se fez em cima, no caso de $f :\; ]a, b] \to \mathbb R$ integrável em qualquer intervalo $[\alpha,b]$, com $b > \alpha > a \in \mathbb R$, e tal que $f$ se torna ilimitada junto a $a$, diz-se que o integral impróprio
existe ou converge se existe e é finito o $\lim_{\alpha \to a+} \int_{\alpha}^b f(x)\, dx$, etc.. Além disso vale também uma Nota correspondente à que se escreveu acima.
- No caso de $f :\; ]a,b[ \; \to \mathbb R$ integrável em qualquer intervalo $[\alpha,\beta]$, com $\mathbb R \ni a < \alpha < \beta < b \in \mathbb R$, e tal que $f$ se torna ilimitada junto a $a$ e junto a $b$, diz-se que o integral impróprio
existe ou converge se existe $c \in \; ]a,b[ \;$ tal que tanto $\int_{a}^c f(x) \, dx$ como $\int_{c}^b f(x) \, dx$ são convergentes. Caso contrário diz-se que $\int_{a}^b f(x) \, dx$ não existe ou que diverge. No caso de convergência escreve-se também
(10)Tal como para integrais de 1.ª espécie, é fácil ver, usando a aditividade do integral de Riemann, que se existe um $c \in \; ]a,b[ \;$ com a propriedade acima, então qualquer outro número $c \in \; ]a,b[ \;$ tem a mesma propriedade. E que, qualquer que seja o $c \in ]a,b[$ que se use, a soma no membro direito de (10) dá sempre o mesmo valor, de modo que o valor de $\int_{a}^b f(x) \, dx$ fica realmente bem definido por (10).
Como consequência desta observação tem-se também que
se para algum $c \in ]a,b[$ algum dos integrais impróprios $\int_{a}^c f(x) \, dx$ ou $\int_{c}^b f(x) \, dx$ diverge, então $\int_{a}^b f(x) \, dx$ diverge também.
Notas:
- Novamente, não há perigo de confusão entre a notação usada em (9) e a notação homóloga para integral de Riemann, pois no caso de se ter $f : [a,b] \to \mathbb R$ integrável o integral de Riemann de $f$ obedece também à fórmula (10).
- Analogamente ao que se fez para integrais de 1.ª espécie, também aqui se pode definir o valor principal de Cauchy de $\, \int_a^b f(x)\, dx \,$ por $\, \lim_{\varepsilon \to 0+} \int_{a+\varepsilon}^{b-\varepsilon} f(x)\, dx$, no caso de este limite existir e ser finito. Naturalmente, a mera existência do valor principal de Cauchy de um integral impróprio também aqui não garante a convergência desse integral.
- No caso de $f :\; [a,b] \setminus \{c\} \; \to \mathbb R$ integrável em quaisquer intervalos $[a,\beta]$ e $[\alpha,b]$, com $a < \beta < c < \alpha < b$, e tal que $f$ se torna ilimitada junto a $c$, diz-se que o integral impróprio
existe ou converge se existirem (como integrais impróprios ou integrais de Riemann) $\int_a^c f(x) \, dx$ e $\int_c^b f(x) \, dx$. Caso contrário diz-se que $\int_a^b f(x) \, dx$ não existe ou que diverge. No caso de convergência escreve-se também
(12)Nota: Uma vez mais, a notação usada em (11) estende a notação homóloga para integral de Riemann, pois no caso de $f : [a,b] \to \mathbb R$ integrável verifica-se igualmente a identidade (12).
Mas atenção:
- $\int_0^3 \frac{1}{x-1} \, dx\,$ diverge, pois $\lim_{\beta \to 1-} \int_0^\beta \frac{1}{x-1} = \lim_{\beta \to 1-} \ln |\beta-1| = -\infty$, e portanto o seguinte cálculo estaria errado: $\int_0^3 \frac{1}{x-1} \, dx = [\ln |x-1|]_0^3 = \ln 2$: de facto, sendo ilimitada em $[0,3]$, a função $\frac{1}{x-1}$ não pode ser integrável nesse intervalo, logo não estão reunidas as condições de aplicabilidade da Fórmula de Barrow1.
- Apesar de divergente, observa que possui valor principal de Cauchy, aqui definido através do cálculo de $\lim_{\varepsilon \to 0+} \big( \int_0^{1-\varepsilon} \frac{1}{x-1}\, dx + \int_{1+\varepsilon}^3 \frac{1}{x-1}\, dx \big)$, pois este último limite existe e é finito, como facilmente se verifica.
Exercícios
- Determina a natureza de cada um dos seguintes integrais impróprios e calcula o valor dos que são convergentes:
- $\int_3^\infty \frac{1}{(x-2)^{3/2}}\, dx.$
- $\int_{-\infty}^0 \frac{1}{3-4x}\, dx.$
- $\int_2^\infty e^{-5x}\, dx.$
- $\int_0^\infty \frac{x^2}{\sqrt{1+x^3}}\, dx.$
- $\int_{-\infty}^\infty x\, e^{-x^2}\, dx.$
- $\int_1^\infty \frac{\ln x}{x}\, dx.$
- $\int_{-2}^{14} \frac{1}{\sqrt[4]{x+2}}\, dx.$
- $\int_0^3 \frac{1}{x^2-6x+5}\, dx.$
- $\int_{-1}^1 f(x)\, dx$, onde $f$ é a função primitivável mas não integrável considerada no final da parte 3 da secção 2.2.
- Mostra que o integral impróprio
$\qquad \displaystyle \int_1^\infty \frac{1}{x^\alpha}\, dx$
é convergente se e só se $\, \alpha > 1\,$ e que no caso de convergência o seu valor é $\frac{1}{\alpha-1}$. - Observa que o integral
$\qquad \displaystyle \int_0^1 \frac{1}{x^\alpha}\, dx$
é impróprio se e só se $\alpha > 0$. Mostra que esse integral impróprio converge se e só se $0 < \alpha < 1$ e que no caso de convergência o seu valor é $\frac{1}{1 -\alpha}$.
Outros integrais impróprios
Há integrais que podem ser impróprios por o seu intervalo de integração "conter" mais do que um ponto onde a função integranda se torne ilimitada ou por "conter" pelo menos um desses pontos e, em simultâneo, um ou ambos os limites de integração ser infinito. Tais integrais tratam-se subdividindo o intervalo de integração em tantos subintervalos quantos os necessários de modo a que o integral da função em cada um desses subintervalos seja impróprio de 1.ª espécie ou de 2.ª espécie de acordo com as definições dadas acima.
Se o integral impróprio num desses subintervalos for divergente, diz-se que o integral original é divergente, sendo esta conclusão independente da maneira como se fez a subdivisão do intervalo inicial. Se o integral impróprio em cada um desses subintervalos for convergente, diz-se que o integral original é convergente e que o seu valor é a soma dos valores dos integrais impróprios em cada um daqueles subintervalos. Naturalmente, o valor assim obtido é também independente da maneira como se fez a subdivisão do intervalo inicial.
página seguinte: parte 2 »
Comentários:
Boa tarde. Tenho dúvidas quanto a resolução do integral impróprio do exercicio 1 alinea 8. Verifiquei o dominio inicialmente e para o intervalo [0,3] o c que encontrei e igual a 1. A seguir na separação do intregal tenho de verificar outra vez o dominio? Ou aplico logo a formula de Barow?
Obrigado pela atenção
Olá,
Não sei o que queres dizer com aplicar logo a fórmula de Barrow. Cada um dos integrais em que separas continua a ser impróprio, embora "o problema" ocorra num dos extremos do intervalo de integração. Terás que usar a definição de integral impróprio para esses casos, recorrendo a limites, embora a certa altura, sim, poderás usar a fórmula de Barrow.
Boa tarde.Já tentei fazer a alínea 8 do exercício 1 várias vezes e não estou a conseguir fazer.Pode apresentar uma solução para essa alínea?
Obrigado pela atenção.
Olá,
É muito parecido com o exemplo $\int_0^3 \frac{1}{x-1}\, dx$ da observação 1 do destaque "Mas atenção", a vermelho acima. O integral é impróprio pelas mesmas razões, apenas os cálculos são mais complicados.
Antes de mais, deve-se fatorizar o denominador da função a integrar, para perceber se se trata efetivamente de um integral impróprio e em que configuração. É fácil ver, assim, que a função a integrar é $\frac{1}{(x-1)(x-5)}$ e que, portanto, estamos perante um integral impróprio de 2.ª espécie do último tipo listado acima, sendo 1 o único ponto problemático (pois 5 está fora do intervalo de integração).
De acordo com o que se explicou acima para tais casos, devemos averiguar o que se passa com a natureza dos integrais impróprios
(1)Comecemos pelo 1.º, para o qual, como se explicou ainda mais acima para esse tipo de integrais impróprios, se deve averiguar o que se passa com o $\lim_{\beta \to 1^-} \int_0^\beta \frac{1}{(x-1)(x-5)}\, dx$.
O integral dentro do limite acima pode calcular-se via Fórmula de Barrow. Para isso usa-se o processo de primitivação de funções racionais, obtendo-se, após aplicação da Fórmula de Barrow, que
(2)cujo limite quando $\beta \to 1^-$ é $\, \infty$.
Tendo obtido divergência para um dos integrais em (1), não precisamos de averiguar o que se passa com o outro e podemos concluir que o integral dado é divergente, de acordo com o que está na solução para esta alínea.